No Brasil, números indicam que o ingresso mais barato tende a gerar receitas maiores há anos. O Internacional quer testar a hipótese
*por Irlan Simões
Mês que vem começa a English Premier League, liga de futebol da Inglaterra, torneio que concentra os maiores magnatas do futebol internacional. Investidores excêntricos, ou pouco preocupados em comprovar a origem e os rumos dos seus bilhões, derramam dinheiro para montar elencos com jogadores de alto nível vindos de todos os cantos do planeta.
Queiramos nós ou não o fato é que a liga inglesa é o torneio mais competitivo dentre as ligas do chamado Big 5 – ligas de Alemanha, França, Itália e Espanha –, e isso explica muito da sua altíssima média de público nos estádios. Futebol de qualidade, clubes em disputa acirrada, cultura torcedora enraizada e evidentemente uma monstruosa estrutura publicitária.
Some-se a isso a volumosa “sociedade do consumo” das principais cidades inglesas e o imenso fluxo de visitantes internacionais que nutrem pelo futebol local a mesma curiosidade que o Palácio de Buckingham, a London Bridge ou o Big Ben. A entrada num jogo de alto nível do futebol inglês é disputada tanto pelos torcedores locais quanto pelos turistas de todo o mundo.
Agora pense no exato oposto disso tudo. Volte ao Brasilzão onde você mora.
É aqui – aqui no Brasil mesmo – que muito torcedor-MBA acredita que o “modelo inglês” é a cartilha perfeita para que nossos clubes sejam bem-sucedidos e competitivos a nível global: Arenas suntuosas, caríssimas, voltadas para atrair um público “externo” ao do tradicional torcedor, a preços de ingressos altíssimos, capazes de sustentar essas estruturas e alavancar as receitas do clube, essa empresa produtora de futebol.
Construímos e estamos sustentando estádios projetados para: 1) receber “espetáculos” de primeiro mundo, com jogadores de baixa qualidade; 2) atrair um público turista que não existe, pois não se interessa por esse “espetáculo”; e 3) oferecer “bons serviços” para clientes abastados que não gostam de estádios.
No mundo real do brasileiro que pisa no chão e não passa 24h do dia no ar-condicionado casa-carro-escritório, isso parece lógico. Mas soa como unha no quadro negro aos ouvidos dos torcedores-MBA que se proliferam pelo Brasil afora.
Pois.
Falo tudo isso para tratar dos relatos que recebi quando da reação de alguns conselheiros do Sport Club Internacional quanto à proposta encaminhada ao Conselho Deliberativo do clube pelo grupo de nome Povo do Clube.
Avaliando a ociosidade de parte considerável do Beira-Rio, estádio que pertence ao clube, o grupo apontou que essa “não-receita” poderia ser contemplada com planos associativos mais baratos, voltados para um público que anda ausente dos estádios há alguns anos: o torcedor apaixonado de baixa-renda.
A sugestão foi criar um novo plano associativo pelo preço módico de R$ 10, que daria direito à compra de um ingresso de R$ 10 por jogo. Para tanto, o novo associado popular precisaria comprovar ser de baixa-renda, com devidos registros em programas sociais.
A medida causou uma polêmica imensa nos círculos políticos do clube, e mesmo nos torcedores que se manifestavam nas redes sociais. Como era possível abrir tanto o estádio ao ponto de comprometer as contas do clube? Como o Inter poderia montar um time competitivo e voltar a ser campeão mundial com um plano nesses preços?
Deu “tilt”.
O torcedor-MBA não estava preparado para compreender que esse novo plano – se analisado de uma forma séria e longe dos clichês e cartilhas dos “consultores de gestão e marketing esportivo” – longe de prejudicar os cofres do clube, representaria uma nova receita que o Inter não dispôs desde que passou a praticar ingressos e planos associativos com preços abusivos para bancar a sua nova arena.
Esse tipo de pane no sistema é o mesmo que, volta e meia, ocorre quando o São Paulo resolve abaixar o preço dos seus ingressos e entupir o Morumbi de gente, obtendo receitas mais altas do que nos valores praticados em tempos “normais”.
Mirando o “modelo inglês” o futebol brasileiro esqueceu que é brasileiro. Esqueceu quem são os torcedores que o sustentaram ao longo de mais de um século.
A ousadia e o exemplo do Internacional hão de criar novas alternativas inteligentes – inclusive se valendo da linguagem dos sabidões das pseudo-ciências de fazer dinheiro (que não fazem dinheiro) – para devolver o futebol brasileiro ao povão.