O clube-empresa, a realpolitik e o kfourismo

Estava sendo encaminhado um projeto audacioso para que os dirigentes brasileiros aceitassem transformar os clubes de associações civis para sociedades anônimas.

Duas cenas da coluna de Juca Kfouri, talvez o maior jornalista esportivo que esse país já conheceu. Em agosto sai o texto “A boa ideia de Rodrigo Maia“, e pouco mais de um mês depois nós lemos: “Projeto de clube-empresa é outro gol contra o Brasil“.

Como asssim? Explicamos.

A coluna de Juca Kfouri escancarou as portas para os criadores da lei das SAF. Foram anos de publicações quase semanais promovendo o revolucionário projeto que oferecia uma mamata para os futuros compradores dos nossos clubes. Como não parece haver má fé neles, eis o seguinte.

Isenção fiscal de longo prazo pra “estimular” clubes a deixarem de lado a associação civil e jogarem seus ativos em uma sociedade anônima que teria donos. E é óbvio que quem pode comprar clube no Brasil é um punhado de gente bem conhecida. Quantos são os bilionários locais?

Não bastasse ter a chance de virar dono da história centenária de uma empresa que já nasce com dezenas de milhões de clientes (que você não bateu um prego pra formar), você agora ia ter benefícios diversos pra zerar a dívida dessa empresa. Como se isso não fosse obrigação.

É bom demais ser rico no Brasil. Se você não bota dinheiro em nada a culpa é dos outros. Então os outros mudam a lei pra você botar dinheiro, e você ainda sai de herói, quando tá apenas expandindo seus negócios e seu poder. É bom demais.

Aí o que aconteceu: depois de preparar a comida por anos, temperar bonitinho, engrossar o caldo pra que nossos clubes tivessem donos, os criadores e impulsores das SAF descobriram que existe política. Rodrigo Maia meteu a colher, comeu maior parte e azedou o resto.

Tudo isso era muito óbvio, mas tá todo mundo meio com cara de “onde foi que eu errei”. Rodrigo Maia botou Pedro Paulo na roda, deturpou aquele projeto que já era problemático, pra dobrar a mamata. Agora é mamata em dobro pra quem virar dono de clube. E óbvio que não vai ser você.

Rodrigo Maia simplesmente espera tributar associações civis, e oferecer um plano especial, possivelmente inconstitucional, de recuperação judicial para essas novas empresas de futebol endividadas.

Então quando o debate esquentar e começarem a alegar que é coisa de Maia pra defender o Botafogo, time para o qual ele torce e que lhe dá o apelido na planinha da Odebrecht, não coma essa pilha.

O PROJETO DE RODRIGO MAIA E PEDRO PAULO É PRA TORNAR AINDA MAIS FÁCIL A VIDA DE QUEM JÁ ESTÁ PRONTO PRA COMPRAR NOSSOS CLUBES.

E se você reclama do dirigente que comanda seu clube, imagine agora ele ser acionista majoritário da S.A que comanda seu clube, como fez com o Atlético de Madri o prefeito corruptoda cidade de Marbella, Jesús Gil. Ou como fez o torcedor da Universidade Católica, Sebástian Piñera, que se tornou dono do rival Colo-Colo e se elegeu presidente da República do Chile. Mesmas práticas, novo formato, chance zero de remoção dele.

E com uma mamata que vai servir até para aqueles que não são milionários.

Então você que é torcedor do Fluminense, por exemplo, se prepare para a possibilidade de ver a Tricolor S.A sendo comprada por Pedro Abad em parceria com o Véio da Havan. E você que é cruzeirense se prepare para ver a Raposa S.A sendo comprada por Itair Machado.

 

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